Nevo gigante
Paciente do sexo masculino, 17 anos, apresentava edema doloroso em face anterior do tórax após se envolver em uma briga na estrada. Ele tinha uma “marca de nascença” no peito que havia crescido de forma constante até o seu tamanho atual.
Ao exame foi visto nevo melanocítico congênito gigante ambar negro, ovalado , medindo 32-por-21-cm, de bordos bem definidos, esponjoso, piloso, que ocupava a parte inferior do tórax e epigástrio (figura A). O nevo era quente e levemente doloroso ao toque. Haviam múltiplas lesões satélites sobre o tronco, face, pernas, mãos e costas (figura B, seta). Não foram identificados déficits neurológicos ao exame clínico. Os nevos congênitos,são proliferações benignas dos melanócitos na derme, epiderme, ou ambos, ocorrem em 1 a 2% dos recém-nascidos. Se o nevo tem diâmetro superior a 20 cm , é classificado como gigante e lesões satélites são freqüentemente encontrados nestes pacientes. Os nevos gigantes congênitos podem gerar problemas cosméticos levando a problemas no convívio social e depressão,podem sofrer malignização(melanoma), ou ser uma parte da síndrome rara de melanose neurocutânea, que é caracterizada por nevos melanocíticos congênitos e neoplasias melanoticas do sistema nervoso central.
Os sintomas do paciente melhoraram com antibioticoterapia oral. Apesar da discussão sobre o risco de melanoma subseqüente, o paciente e seus pais recusaram a ressecção cirúrgica do nevo gigante.
Fonte:
Imagem in clinical Medicine,NEMJ,Volume 361:e15,September 3,2009 Number 10
Tamilarasu Kadhiravan, M.D.
Surendra K. Sharma, M.D., Ph.D.
All India Institute of Medical Sciences
New Delhi, India sksharma@aiims.ac.in
Comentários
Classificar um nevo congênito como gigante não basta para definir qual a conduta que deve ser tomada, havendo vários outros aspectos que necessitam ser levados em consideração.
Classicamente apresenta as seguintes características microscópicas(2):
- presença nos 2/3 inferiores da derme, ocasionalmente se estendendo até o subcutâneo.
- células névicas individuais distribuídas entre as fibras colágenas.
- associação com apêndices cutâneos, nervos e vasos localizados na derme reticular.
Interessante é o fato que o envolvimento da derme está presente desde o período neonatal, contradizendo a hipótese da migração das células névicas no decorrer da infância. Estas células profundas não se modificam com o decorrer da idade(3).
O nevo melanocítico congênito pode ser classificado de uma forma arbitrária conforme a medida do seu tamanho na infância: pequeno (<> 20 cm de diâmetro)(2,3). Porém o mais racional é estabelecer a proporção da superfície cutânea acometida pelo nevos, pois acredita-se que o risco de desenvolvimento de um melanoma seria diretamente proporcional ao tamanho do nevos.
Pode-se afirmar que os três principais problemas relacionados com o nevo melanocítico congênito, sobretudo o nevo gigante são: a possibilidade de transformação maligna, o acometimento neurológico e as implicações relacionadas com o aspecto estético. De todas sem dúvida alguma o mais preocupante é o potencial de malignização.
Geralmente o nevo melanocítico pequeno apresenta células névicas confinado as camadas superiores da derme, ao passo que o nevo melanocítico gigante possui as características histológicas clássicas já descritas. Dessa forma o melanoma que se origina do primeiro tem freqüentemente origem epidérmica. Em contra partida, mais de 2/3 dos melanomas oriundodo nevo gigante se desenvolvem a partir da derme. A origem desses pode ser de melanocíticos localizados em qualquer nível entre a junção dermo-epidérmica e as meninges. Tanto isso é importante que 3/4 dos tumores relacionados com os nevos gigantes não se desenvolvem a partir dos nevos cutâneos, mais sim de melanócitos localizados nos tecidos profundos, notadamente nas meninges(3). 20% dos portadores de nevo melanocítico gigante localizado no dorso superior e no segmento cefálico apresentam alterações ao eletroencefalograma (3),bem como a ocorrência de melanose meningea assintomática ou pouco sintomática. Nesta condição, recomenda-se à realização de um exame neurológico e até mesmo um estudo radiológico (ressonância magnética)(3).
Infelizmente as possibilidades terapêuticas atuais para a melanose das meninges são praticamente nulas(5).
Do ponto de vista prático, devido ao fato da quase totalidade dos melanomas originados dos nevos congênitos pequenos serem epidérmicos, e a incidência de degeneração ser extremamente baixa, a remoção profilática desses nevos não é essencial. De acordo com as evidências atuais, a observação clínica seria capaz de detectar esse tipo de ocorrência(6).
Se a decisão for remover esse tipo de nevo, realizá-la após a puberdade seria um ato seguro, pois a transformação maligna raramente ocorre em pré-puberes.
Todavia, pelo o alto risco de transformação maligna nos nevos melanocíticos gigantes,estimada entre 5% a 20%,a excisão profilática é com freqüência recomendada(5).
Dentre as técnicas cirúrgicas de remoção e reconstrução as empregadas são: a exérese parcelada do nevo (forma mais comum quando as lesões estão presentes nas extremidades)(7), reconstruções com expansores teciduais (principalmente nos nevos localizados no segmento cefálico, notadamente no couro cabeludo)(7,8) e enxerto livre. Devemos destacar, entretanto que não raro estes procedimentos são incompletos, necessitando de múltiplas intervenções traumáticas para o portador do nevo, acarretando em alterações funcionais e deformidades secundárias graves.
A metade dos tumores malignos aparece antes dos 3 anos e são geralmente mortais. Mesmo assim, a ocorrência do melanoma de uma forma geral, (não apenas relacionado com o nevo congênito), antes da puberdade é rara, correspondendo a 0,4% do total dos casos(9). O diagnóstico precoce de um melanoma sobre um nevo gigante é de regra difícil, muitas vezes impossível, devido à cor enegrecida das duas lesões.
Outros sinais de transformação maligna, como o desenvolvimento de um tumor ou ulceração, são tardios e geralmente acompanhados de metástases. Devemos considerar também a dificuldade de se estabelecer com exatidão o diagnóstico histopatológico do melanoma na infância. Alguns critérios histológicos foram propostos relacionados com a possibilidade de malignidade(12):
- epidermotropismo de células isoladas na periferia da lesão.
- número elevado de mitoses e de atípias citonucleares.
- ausência de maturação das células névicas.
- presença de invasão vascular.
Porém na maioria dos casos este diagnóstico acaba sendo de probabilidade, só podendo ser afirmado com certeza quando associado a metástases. O estudo de marcadores de células tumorais por anticorpos anti-Ki67 pode ser um argumento suplementar na orientação no sentido do diagnóstico de melanoma(6).
Infelizmente, com freqüência é impossível de proceder à excisão completa por causa do tamanho desses nevos, e também por apresentarem múltiplas lesões satélites.
Mesmo a excisão até a fáscia muscular não elimina completamente o risco do aparecimento do melanoma, visto que essa célula primordialmente neural freqüentemente permanece nos tecidos profundos, sobretudo nas leptomeninges(1).
Diferente do nevo congênito pequeno, o risco de degeneração dos nevos gigantes é maior antes dos 10 anos de idade. Portanto para ser profilática, a remoção deverá ser realizada o mais precoce possível. Devemos considerar também a indicação de exérese dos nevos melanocíticos gigantes baseado em razões estéticas e psicológicas(6).Na verdade a maior preocupação dos pais de crianças portadoras de um nevo gigante, principalmente quando localizado em uma área mais exposta do corpo, é com o aspecto estético e seu impacto psicossocial, sobretudo em meninas. Este problema em geral assume uma magnitude tão importante que o médico não pode subestimar. Apesar da impossibilidade da remoção cirúrgica de boa parte dos nevos gigantes, a melhora do aspecto estético por outros meios a serem descritos a seguir pode contribuir na melhora da qualidade de vida, considerando-se, porém as dúvidas que ainda imperam quanto às repercussões sobre o risco de transformação maligna. Os principais métodos empregados para a melhoria do aspecto estético são: a dermoabrasão, a curetagem, o peeling químico com fenol e o laser. Todos produzem a remoção de células névicas presentes na junção dermo-epidermica e na derme superficial. Os que advogam a favor desses métodos justificam que, além da possibilidade de melhoria do aspecto estético, a remoção da pigmentação mais superficial facilitaria o diagnóstico do melanoma que porventura se desenvolva na derme profunda. A recomendação é que se realize o procedimento o mais precoce possível, durante as duas primeiras semanas de vida.
REFERÊNCIAS
1.Paschoal F. M.,Nevo melanocítico congênito,An bras Dermatol, Rio de Janeiro, 77(6):649-656, nov./dez. 2002.
2. Kanzler MH, Mraz-Gernhard S. Primary cutaneous malignant melanoma and its precursor lesions: Diagnostic and therapeutic overview. J Am Acad Dermatol 2001;45:260-76.
3. Ruiz-Maldonado R, Tamayo L, Laterza AM, Durán C. Giant pigmented nevi: Clinical, histopathologic, and therapeutic considerations. J Pediatric 1992;120:906-11.
4. Rhodes AR, Wood WC, Sober AJ. Nonepidermal origin of malignant melanoma associated with giant congenital nevocellular nevus. Plast Reconstr Surg 1974;53:421-8.
5. Ruiz-Maldonado R. Conduite à tenir vis-à-vis des naevus géants congénitaux. Ann Dermatol Venereol 1999;126:792-4.
6. Benoit-Durafour F, Michel JL, Godard W, et al. Mélanome néonatal sur naevus géant congénital. Ann Dermatol Venereol 1999;126:813-6.
7. Gosain AK; Santoro TD; Larson DL; Gingrass RP. Giant congenital nevi: a 20-year experience and an algorithm for their management. Plast Reconstr Surg 2001;108(3):622-36.
8. Bauer BS; Few JW; Chavez CD; Galiano RD. The role of tissue expansion in the management of large congenital pigmented nevi of the forehead in the pediatric patient. Plast Reconstr Surg
2001; 107(3):668-75.
9. Taieb A, Bioulac-Sage P, Maleville J. Mélanoma de l'enfant. Ann Dermatol Venereol 1990;117:139-48.
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