JUSTIFICATIVA
O rastreamento do câncer de mama visa à 
detecção de pequenos tumores assintomáticos, tendo como objetivo primário a 
redução da mortalidade pela doença. Os objetivos secundários do rastreamento do 
câncer de mama são: aumentar a sobrevida pela doença e reduzir a extensão do 
tratamento cirúrgico, permitindo cirurgias menos mutiladoras e a necessidade da 
quimioterapia. A mamografia é o único método de rastreamento que demonstrou ser 
capaz de promover uma redução absoluta da mortalidade. A ultrassonografia e a 
ressonância magnética demonstram capacidade semelhante na detecção do câncer de 
mama inicial, entretanto não há estudos randomizados e prospectivos que tenham 
testado o impacto na redução da mortalidade.
O primeiro estudo 
populacional prospectivo, controlado e randomizado que investigou o impacto do 
rastreamento mamográfico na mortalidade pelo câncer de mama foi realizada na 
década de 60 nos Estados Unidos e chamado de Health Insurance Plan (HIP). Esse 
estudo mostrou redução de 25% na mortalidade pelo câncer de mama no grupo de 
mulheres submetidas ao rastreamento mamográfico e estimulou a realização de 
estudos similares no Canadá, Reino Unido e Suécia. Metanálises independentes 
desses estudos populacionais mostraram redução de 7% até 23% na mortalidade pelo 
câncer de mama nas mulheres submetidas ao rastreamento mamográfico, estimulado 
as sociedades médicas a recomendá-lo. Programas populacionais de rastreamento 
mamográfico foram implantados em alguns países e confirmaram os achados dos 
estudos populacionais, mostrando redução de 16% a 36% na mortalidade. Esses 
estudos foram conduzidos em pacientes entre 40 e 70 anos e a magnitude da 
redução na mortalidade variou de acordo com a faixa etária.
No grupo de 
paciente entre 50 e 69 aos, todas as sociedades médicas e programas de 
rastreamento populacional de câncer de mama ao redor do mundo recomendam o 
rastreamento mamográfico. Metanálises dos estudos populacionais mostraram 20% a 
35% de redução na mortalidade nesta faixa etária. Além disso, os efeitos 
adversos do rastreamento mamográfico são menores nessas mulheres e um menor 
número precisa ser rastreado para se evitar uma morte pela doença A U.S. 
Preventive Services Task Force (USPSTF) estimou que entre 50 e 59 anos e entre 
60 e 69 anos é necessário rastrear, respectivamente, 1.339 e 377 mulheres para 
se evitar uma morte pelo câncer de mama. Outra publicação mais recente estimou 
um menor número de mulheres rastreadas para se evitar uma morte: 351 mulheres 
entre 50 e 59 anos e 233 entre 60 e 69 anos. Dessa forma, o CBR, a SBM e a 
FEBRASGO recomendam o rastreamento mamográfico para esses grupos de mulheres, em 
concordância com as demais sociedades médicas.
Para as mulheres abaixo de 
40 anos, que não são classificadas como alto risco, nenhuma organização médica 
recomenda o rastreamento mamográfico. Nesse grupo, a freqüência de tumor é baixa 
(menor de 1 caso/1.000 mulheres), a mamografia apresenta menor sensibilidade e o 
parênquima, maior radiossensibilidade. Para os pacientes com alto risco para 
câncer de mama, recomenda-se que a estratégia de rastreamento seja 
individualizada para cada uma em consulta com seu especialista. O beneficio 
esperado deve sempre ser pesado contra os riscos envolvidos, lembrando que a 
mama jovem pode ser mais sensível ao efeito carcinogênico da radiação. Lembrar 
também que em mamas densas, mais comuns nessa faixa etária, não só sensibilidade 
da mamografia está diminuída, como a dose de radiação dispensada pelo mamógrafo 
é maior.
Maior discussão ocorre em relação ao rastreamento 
mamográfico nas mulheres entre 40 e 49 anos. Nesse grupo, a incidência do câncer 
de mama é menor e a freqüência de mamas densas e de tumores com crescimento 
rápido é maior. Dessa forma, o número de mulheres rastreadas para se evitar uma 
morte entre 40 e 49 anos (1.904) seria maior do que entre 50 e 59 anos (1.339), 
conforme estimativas da USPSTF, embora outras publicações recentes estimem 
valores menores (746 mulheres para salvar uma vida). Por outro lado, vários 
estudos e metanálises mostraram o impacto do rastreamento mamográfico nessa 
faixa etária. Feigl et al. referiram que quase 20% das mortes por câncer de mama 
e 34% dos anos de expectativa de vida perdidos por causa do câncer de mama 
ocorreram em mulheres abaixo de 50 anos. Smart et al., em metanálise publicada 
sobre os benefícios do rastreamento mamográfico entre 40 e 49 anos nos sete 
trials randomizados iniciadores entre 1963 e 1982, encontraram 23% de redução de 
mortalidade. Sugeriram que os benefícios da mamografia moderna devem ser 
maiores, inclusive porque os intervalos de rastreamento foram excessivamente 
longos nesses estudos (18-28 meses), usando mamografia em apenas uma incidência 
e sem utilização das novas tecnologias.
Enfatizaram também que a 
demonstração mais tardia da redução da mortalidade poderia ser decorrente de 
diversas razões, entre elas o menor número de mulheres com essa idade (menos do 
que um terço do total) incluídas nos oito trials. Hellquist et al., em outra 
publicação recente enfocando essa faixa etária, demonstraram redução de 26% a 
29% na mortalidade, em comparação com as pacientes que não realizam rastreamento 
na Suécia. No Brasil, uma lei assinada em 2010 garante o acesso à mamografia a 
todas as mulheres acima de 40 anos. Além disso, estudo brasileiro realizado na 
cidade de Goiânia mostrou que cerca de 42% dos casos de câncer de mama 
registrados na cidade ocorreram em pacientes abaixo de 49 anos. 
Dessa 
forma, o CBR, a SBM e a FEBRASGO, em concordância com as principais sociedades 
médicas, recomendam a mamografia nessa faixa etária. Estudos que estimam o 
benefício potencial do rastreamento sugerem que se todas as mulheres com 40 anos 
ou mais fossem submetidas a rastreamento mamográfico, a taxa de morte 
relacionada com a doença poderia cair aproximadamente 50%.
Para mulheres 
com 70 anos ou mais, sobretudo acima dos 75 anos, os dados disponíveis ainda são 
escassos. O câncer de mama é uma das principais causas de morte em mulheres 
acima dos 75 anos, mas alguns fatos sugerem que o beneficio do rastreamento 
mamográfico pode ser menor nesta faixa etária: menor expectativa de vida, maior 
freqüência de tumores com bom prognóstico, maior risco de morrer de outras 
doenças. Dessa forma, sugere-se que a decisão sobre sua continuidade deve ser 
feita individualmente, considerando-se a saúde global e a longevidade estimada 
da paciente. Enquanto a saúde global da paciente permitir que ela possa ser 
candidata ao tratamento do câncer de mama, o rastreamento mamográfico deve 
continuar.
Outras técnicas de rastreamento também foram consideradas. A 
ultrassonografia não é apropriada como método de rastreamento inicial para a 
população em geral, principalmente pela limitação do método em avaliar as 
microcalcificações. Entretanto, alguns estudos demonstraram a utilidade da 
ultrassonografia como método de rastreamento em pacientes assintomáticas, com 
mamografia negativa, porém com mamas densas. 
Um dos primeiros estudos foi 
publicado por Kolb et al., realizado em 11.130 pacientes assintomáticas, 
demonstrando que a ultrassonografia adicional à mamografia aumentou em 42% a 
detecção do câncer de mama em pacientes com mamas densas. Outro estudo que 
avaliou o papel da ultrassonografia em mulheres com mamas densas mostrou que a 
prevalência de cânceres detectados pela ultrassonografia foi 0,41% e que a 
proporção de cânceres sonograficamente detectados em relação ao total foi 22%, a 
maioria deles tumores invasivos. 
Os resultados do estudo multicêntrico 
para o rastreamento de pacientes de alto risco com mamas densas (ACIN) 
demonstraram que a adição de um único rastreamento ultrassonográfico à 
mamografia resulta na detecção adicional de 1,1 a 7,2 cânceres por 1.000 
mulheres com alto risco, embora eleve o número de falso-positivos. Dessa forma, 
o CBR, a SBM e a FEBRASGO recomendam que o rastreamento ultrassonográfico pode 
ser considerado em mulheres de alto risco que não toleram o exame por 
ressonância magnética, assim como nas mulheres com risco intermediário e nas 
mulheres com mamas densas.
Comparada com a mamografia e a 
ultrassonografia, a ressonância magnética apresenta maior sensibilidade na 
detecção do câncer de mama. Esses dados estimularam estudos de coorte enfocando 
pacientes de alto risco em diferentes continentes: Holanda, Canadá, Reino Unido. 
Alemanha, Itália, Estados Unidos e Noruega. Um dos primeiros estudos foi 
publicado por Kriege et al. em 2004, no qual a acurácia da mamografia, 
ultrassonografia e ressonância magnética foi comparada em 1.909 mulheres com 
forte história familiar ou com alteração genética (BRCA1 e/ou BRCA2), mostrando 
sensibilidade de 33%, 60% e 100%, respectivamente. 
Recentemente, Kuhl et 
al. mostraram sensibilidade para a detecção do câncer de mama, em pacientes de 
alto risco, de 33%, 37% e 92%, respectivamente, para mamografia, 
ultrassonografia e ressonância magnética, com especificidade de 98% para todos 
os métodos. Nesse estudo não houve nenhum caso de carcinoma de intervalo, 
enquanto todos os tumores foram menores que 1 cm. Uma revisão desses estudos 
confirmou que adicionando a ressonância magnética no rastreamento das pacientes 
com alto risco houve um aumento de sensibilidade de 44% em relação à mamografia 
e à ultrassonografia. A grande discussão é que não existem estudos demonstrando 
redução na mortalidade. Entretanto, as pequenas dimensões dos tumores 
diagnosticados pela ressonância magnética, assim como o baixo envolvimento 
linfonodal, sugerem que a ressonância magnética pode trazer benefícios. 
Dessa forma, a comissão que elaborou o presente documento, em 
concordância com as demais sociedades médicas, recomenda a ressonância 
magnética, em conjunto com a mamografia, no rastreamento das pacientes de alto 
risco, desde que assegurada a qualidade técnica da ressonância magnética 
oferecida: o exame deve ser realizado em serviço com reconhecida qualidade, que 
conte com médicos com experiência especifica, aparelhos de pelo menos 1,5 tesla 
e bobina dedicada ao exame de mamas. O serviço deve ainda oferecer biópsias 
orientadas por ressonância magnética ou ser capaz de indicar um serviço na 
região que ofereça. Quando não há acesso à ressonância magnética de qualidade, 
essa comissão recomenda o rastreamento adicional com 
ultrassonografia.
NOTAS SOBRE RASTREAMENTO COM OUTRAS 
TECNOLOGIASOs estudos realizados mostram que o desempenho diagnóstico da 
mamografia digital na detecção do câncer de mama foi comparável ou superior ao 
da mamografia convencional na maioria das mulheres, embora exista discussão 
quanto à faixa etária com o melhor beneficio. Em 2005 foram apresentados os 
resultados do Digital Mammographic Imaging Screening Trail (DIMIST). Nesse 
estudo, num período de dois anos, 33 serviços nos Estados Unidos e Canadá 
recrutaram 49.528 mulheres que se submeteram de forma randomizada a mamografia 
digital e convencional. 
Os resultados mostraram que a acurácia da mamografia 
digital e convencional foram similares para a população geral, mas a mamografia 
digital foi superior em mulheres abaixo de 50 anos, nas com mamas 
heterogeneamente ou extremamente densas (tipos 3 e 4) e em mulheres na 
pré-menopausa e na pré-menopausa. Em 2007, Skaane et al. apresentaram os 
resultados finais do estudo Oslo II. 
Esse ensaio clínico randomizado foi 
realizado na polpação local submetida ao rastreio com mamografia convencional 
(n=16.985) e digital (n=6.944) com faixa etária compreendida entre 45 e 69 anos. 
Foi encontrada diferença significativa na taxa detecção de câncer inicial entre 
a mamografia digital (0,59%) e a convencional (0,38%), demonstrando a melhor 
performance da mamografia digital em mulheres até 69 anos. Em 2009, Vinnicombe 
at al., em metanálise envolvendo oito grandes estudos randomizados, observaram 
que a taxa de detecção da mamografia digital era superior à convencional, 
principalmente em mulheres com faixas etárias até 60 anos. Dessa forma, o CBR, a 
SBM e a FREBASGO referem que a mamografia digital pode ser considerada como 
exame de rastreamento para o câncer de mama, quanto disponível e acessível, para 
as mulheres entre 40 e 69 anos.
A tomossíntese é uma tecnologia 
relativamente nova que, por reduzir os efeitos da sobreposição de tecido 
mamário, pode permitir melhor caracterização dos achados mamográficos, 
diminuindo a necessidade de incidências adicionais, e que tem o potencial de 
detectar cânceres ocultos na mamografia digital convencional. Entretanto, ainda 
não dispomos de dados para a sua utilização como método de rastreamento para a 
população em geral. Os resultados preliminares, apresentados neste ano no 
simpósio satélite do Congresso Europeu de Radiologia do Malmö Breast 
Tomosynthesis Screaming Trial (MBTST), que pretende estudar por mamografia 
digital e tomossíntese (em uma incidência mediolateral oblíqua) 15.000 mulheres 
entre 40 e 79 anos e cujos resultados estão previstos para 2015, mostraram um 
aumento da sensibilidade em cerca de 15% e que a tomossíntese é pelo menos tão 
boa quanto a mamografia digital na identificação de microcalcificações, embora 
também apresente falso-positivos e falso-negativos. 
Dessa forma, o CBR, 
a SBM e a FEBRASGO consideram precoce e recomendação da tomossíntese como método 
de rastreamento populacional, porém enfatizam que esses dados serão revistos a 
cada três anos.
FONTE: Radiol Brás. 2012 
Nov/Dez;45(6)334-339
AUTORES: Linei Augusto Brolini Dellê Urban, Marcela 
Brisighelli Shaefer, Dakir Lourenço Duarte, Radiá Pereira dos Santos, Norma 
Medicis de Albuquerque Maranhão, Ana Lucia Kefalas, Ellyete de Oliveira Canella, 
Carlos Alberto Pecci Ferreira, João Emílio Peixoto, Luciano Fernandes Chala, 
Rodrigo Pepe Costa, José Luís Esteves Francisco, Simone Elias Martinelli, 
Heverton Leak Ernesto de Amorim, Henrique Alberto Pasqualette, Pauo Mauricio 
Soares Pereira, Helio Sebastião Amâncio de Camargo Junior, Vânia Ravizzini 
Sondermann.