: NONA ENFERMARIA: CLÍNICA MÉDICA: outubro 2011

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Macrolídeos X DPOC: uso preventivo

Papel dos macrolídeos na prevenção de exacerbações em pacientes com DPOC

Há menos de 1 ano, foi publicado nos boletins do PneumoAtual, materia sobre o promissor, mas ainda controverso, papel dos macrolídeos no tratamento da DPOC e da asma.
A DPOC é uma doença em cuja história natural se espera a ocorrência de exacerbações, definidas como alterações nos níveis basais de dispneia, tosse e/ou expectoração, além das variações normais do dia-a-dia, de instalação aguda e que requerem alterações nas medicações em curso. Diferentes tratamentos de manutenção, como os bea-2 agonistas e os anticolinérgicos de ação prolongada, os corticoides inalatórios e os inibidores da fosfodiesterase 4, isoladamente ou em associações entre eles, comprovadamente reduzem as exacerbações, mas mesmo com o emprego de todos eles elas continuam a ocorrer em frequências elevadas, comprometendo a função pulmonar e a qualidade de vida e aumentando os gastos com a doença. Além disso, sabe-se que pacientes com maior número de exacerbações têm maior risco de óbito ao longo dos anos. Por tudo isso, novas opções terapêuticas de redução das exacerbações continuam a ser estudadas, entre elas os macrolídeos.
Os macrolídeos, além de serem largamente utilizados em infecções respiratórias, visto que apresentam boa biodisponibilidade após uso por via oral, excelente penetração tecidual e ação contra os principais patógenos envolvidos (S. pneumoniae, H. influenzae, M. catarrhalis, Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae, Legionella spp), apresentam comprovados efeitos imunomoduladores e anti-inflamatórios, os quais ocorrem em doses mais baixas das normalmente empregadas.
Até 2011, sete estudos tinham avaliado a capacidade dos macrolídeos de reduzir as exacerbações de DPOC, mas todos eles com limitações importantes em seus métodos (ex. pequeno número de pacientes, curto período de seguimento, ausência de grupo controle, estudo não cego), fazendo com que a ideia geral que passavam de benefícios em relação a este desfecho não pudesse ser encarada como evidência de nível científico adequado. Dentre estes trabalhos, o de melhor rigor foi conduzido com 109 pacientes com DPOC moderada ou grave (VEF1 entre 30% e 70%), acompanhados em regime ambulatorial em 2 hospitais de Londres. Eles foram randomizados a receber, de forma duplo-cega, eritromicina (250 mg 2 vezes ao dia, n=53) ou placebo (n=56), durante 12 meses. O risco de exacerbação entre os pacientes tratados com eritromicina, em comparação com o placebo, foi de 0,65 (IC-95%=0,50-0,86, p=0,003), sendo o tempo médio para ocorrência da primeira exacerbação de 271 dias no grupo eritromicina versus 89 dias no grupo controle (p=0,020). Os eventos adversos ocorreram em proporções baixas e semelhantes nos dois grupos. Os autores concluíram que o tratamento por 1 ano com eritromicina foi bem tolerado e se mostrou eficaz em reduzir as exacerbações em pacientes com DPOC moderada ou grave.
Em agosto de 2011, foram publicados os resultados de um trabalho patrocinado pelo Instituto nacional de Coração, Pulmão e Sangue (National Heart, Lung, and Blood Institute - NHLBI, dos EUA), que melhoraram as evidências no assunto. Neste estudo multicêntrico (17 centros localizados nos EUA), prospectivo, randomizado, duplo-cego, controlado com placebo, foram avaliados pacientes com idade igual ou maior que 40 anos e com diagnóstico clínico de DPOC, definido pela história de tabagismo de pelo menos 10 anos/maço e relação VEF1/CVF menor que 0,7 e VEF1 pós broncodilatador menor que 80% do predito. Os pacientes deveriam ainda apresentar pelo menos um dos seguintes critérios de gravidade: uso de oxigenoterapia domiciliar, tratamento com corticoide sistêmico no último ano, atendimento em pronto socorro ou internação por exacerbação de DPOC no último ano. Os critérios de exclusão foram: exacerbação de DPOC nas últimas quatro semanas anteriores à randomização, asma, frequência cardíaca de repouso acima de 100 bpm, intervalo QT corrigido prolongado (>450 ms), uso de medicações que prolongam o intervalo QT ou se associe a torsades de pointes (exceto amiodarona), comprometimento auditivo comprovado por audiometria. Os pacientes incluídos foram randomizados a receberem azitromicina (250 mg 1 vez ao dia) ou placebo e foram acompanhados por 1 ano. O desfecho primário avaliado foi o tempo para a ocorrência da primeira exacerbação de DPOC, definida pelo surgimento de um ou mais sintomas respiratórios (tosse, expectoração, sibilos, dispneia, dor torácica), com duração de pelo menos três dias e com necessidade de tratamento com corticóide ou antibiótico. Outros desfechos avaliados foram: qualidade de vida (St George´s Respiratory Questionnaire - SGRQ - e SF-36), colonização da orofaringe por estafilococo, pneumococo, hemófilo ou moraxela, adesão à medicação prescrita, surgimento ou piora de acuidade auditiva ou tinido ("zumbido").
Foram incluídos 1117 pacientes, 558 no grupo azitromicina e 559 no placebo, sendo que as características demográficas, de gravidade da DPOC, de ocorrências prévias de exacerbações e de tratamentos em curso para a doença eram semelhantes entre os dois grupos. O tempo médio para a primeira exacerbação foi maior entre os pacientes que receberam azitromicina: mediana de 266 dias vs. 174 dias no grupo placebo (p<0,001). A taxa de exacerbação de DPOC por paciente por ano foi de 1,48 no grupo azitromicina e de 1,83 no placebo (p=0,01), sendo que o risco de exacerbação por paciente por ano no grupo azitromicina, em comparação com o placebo, foi de 0,73 (IC-95%=0,63 a 0,84, p<0,001), resultado que se manteve significante mesmo após ajuste para idade, sexo, VEF1, estado de tabagismo e centro estudado. Um desfecho que tem sido valorizado em ensaios clínicos é o número de pacientes que precisam ser tratados para que o evento, neste caso a exacerbação, seja preveindo. Neste estudo, o tratamento de 2,8 pacientes previne a ocorrência de 1 exacerbação, número bastante baixo e que sugere uma boa relação custo-efetividade. A taxa de óbito por qualquer causa foi semelhante entre os grupos (3% no azitromicina e 4% no placebo, p=0,87), o mesmo ocorrendo em relação aos óbitos apenas por causas respiratórias (2% e 1%, respectivamente, p=0,48). A ausência de impacto sobre a mortalidade já era esperada neste estudo, visto que as taxas de óbito em 1 ano foram pequenas e, assim, o tamanho da amostra não teve poder suficiente para mostrar diferenças.
Em relação aos desfechos secundários, a azitromicina, em comparação com o placebo, determinou melhora na qualidade de vida medida pelo SGRQ, mas não pelo SF-36. Mesmo assim, a melhora no SGRQ não alcançou a magnitude considerada como de relevância clínica. Embora a ocorrência de eventos adversos sérios ou associados a descontinuação do tratamento tenha sido semelhante entre os grupos, o tratamento com azitromicina associou-se a redução da audição medida por audiometria em 25% dos pacientes, contra 20% no grupo placebo (p=0,04). Durante o estudo, entre os pacientes que não estavam inicialmente colonizados em suas vias aéreas, 12% no grupo azitromicina e 31% no grupo placebo tornaram-se colonizados (p<0,001), entretanto, entre os patógenos isolados, a resistência aos macrolídeos ocorreu em 81% no grupo azitromicina e 41% no placebo (p<0,001).
De uma forma geral, os autores demonstraram que o uso diário de 250 mg de azitromicina em pacientes com DPOC e com as características descritas reduz a ocorrência de exacerbações, mas com o risco potencial de perda auditiva e de colonização das vias aéreas por patógenos resistentes aos macrolídeos. Em relação à perda auditiva, os autores acreditam que possam ter sido rigorosos nos critérios para sua caracterização, mas é claro que é uma preocupação que deverá ser esclarecida em estudos futuros ou monitorada no eventual uso deste tratamento. Já em relação ao risco de emergência de cepas resistentes, trata-se um receio que sempre se deve ter quando antibióticos são empregados por tempo prolongado, tanto em relação àquele paciente isoladamente, quanto em relação a toda comunidade. Por outro lado, reduzindo-se as exacerbações, reduz-se o uso de antibióticos para seu tratamento, fazendo com que o resultado final, inclusive de resistência a outros antimicrobianos, precise ser estudado.
É claro que várias perguntas ainda precisam ser respondidas em relação ao real papel da azitromicina na prevenção de exacerbações na DPOC. Por exemplo, qual será a segurança deste tratamento em períodos mais prolongados, visto que a DPOC é irreversível? Será que doses menores ou espaçamentos maiores (ex. dias alternados, três vezes por semana) são igualmente eficazes? O uso em apenas alguns meses do ano (ex. durante o inverno) é útil? Será que o impacto sobre o surgimento de patógenos resistentes nos pacientes e na população aumentará com o uso mais prolongado? Entretanto, os resultados deste estudo já nos permitem considerar o uso da azitromicina para pacientes que, a despeito do tratamento convencional da DPOC, continuam com exacerbações frequentes.


Leitura recomendada
Albert RK et al. Azythromycin for prevention of exacerbations of COPD. N Engl J Med 2011;365:689-98.
Celli BR. MacNee W. Standards for the diagnosis and treatment of patients with COPD: a summary of the ATS/ERS position paper. Eur Respir J 2004;.23:932-946.
Seemungal TAR. Wilkinson TMA. Hurst JR. Perera WR. Sapsford RJ. Wedzicha JA. Long term erythromycin therapy is associated with decreased chronic obstructive pulmonary disease exacerbations. Am J Respir Crit Care Med 2008;178:1139-1147.
Siafakas N. Preventing exacerbations of COPD. N Engl J Med 2011;365: N Engl J Med 2011;365:689-98.753-4.


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